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22 de outubro de 2012

Alto Douro a dois e em duas rodas (não muito pequenas)

A imagem do saco das compras a ser arrancado da mão de um peão à passagem da minha mulher numa Suzuky TS50, nunca me abandonou.
Na altura ainda minha namorada, a Graça usava as duas rodas motorizadas com o à vontade herdado dos tempos em que de bicicleta pedalava à volta da casa de Amarante onde vivia, durante horas enquanto ao mesmo tempo lia as suas bandas desenhadas favoritas.
Assim mais tarde nem o peso pesado da Heinkel lhe metia receio.
Mas com o passar do tempo e a experiência da estrada, começou a perceber os riscos do binómio juventude/motos preferindo deixar de as usar.
Por tempo demais, creio. Passou a olhá-las com um misto de receio e vontade, mas a maturidade ganhava sempre.
Até à bem pouco tempo, só as usava esporadicamente e como pendura, creio que apenas para me fazer a vontade, mas só em passeios pequenos.
Até estas férias!
Como acabamos por ter mais uns dias livres do que estávamos a contar quando as planeamos em Janeiro, surgiu-me a ideia. Não me pareceu ainda a altura para lhe sugerir que voltasse a conduzir, mas para fazer um passeio maior que ir à praia ou às compras em dia de futebol, talvez...
Comecei a arquitectar o plano. Reuni-me dos necessários cúmplices e da lista das possíveis desculpas que ela poderia arquitectar.
Problema: A miúda vai começar a escola
Solução: A miúda já tem 18 anos. (e tem relógio)

Problema: As tuas motas são "velhas" e podem avariar
Solução: Levamos a Transalp. (passei horas a verificar tudo o que era parafuso)

Problema: Não tenho onde levar a roupa
Solução: Comprei e instalei uns alforges (obrigado Bob)

Problema: Não gosto de campismo
Solução: Reservei hotel (recomendação do acima referido)
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E por aí fora, desmontou-se questão a questão.
E ela alinhou!
Pela primeira vez desde à muito, senti-me algo ansioso ao começar uma viagem/passeio de moto. Não queria MESMO que nada corresse mal. E correu tudo bem.
Arrancamos numa quinta-feira de manhã, depois de descobrir que ela é muito melhor que eu a arrumar malas, tendo conseguido pôr tudo apenas na Top-Case. Ganhou assim o direito de me começar a fazer as malas daqui para diante:)  Depois de um bom pequeno almoço, apanhamos a N108 logo desde o Porto. O destino foi a Régua. Não muito longe nem ao lado de casa. Nada de auto estradas nem muito trânsito. Por mim tinha-me mandado para Sanabria ou coisa que o valha, mas aí ela não alinharia. Iria sozinho e não era isso o que eu pretendia.
Logo nas primeiras curvas percebi que levava atrás alguém que sabia andar de moto. A antecipar bem as travagens e as acelerações, a acompanhar nas curvas... mas sempre a velocidade de passeio, pois era disso que se tratava. Um passeio. O destino era apenas um pretexto. A acompanhar o Douro até Entre-os-Rios e daí a subir e descer serras até Mesão Frio. Paisagens deslumbrantes e curvinhas deliciosas. Tão que por vezes levava uma palmada no capacete para ter mais calminha. A Transalp serpenteava pelas nacionais, a gostar tanto como eu.
Parávamos a cada 50 ou 60 minutos, pois as costas e mais abaixo da pendura acusavam a dureza do banco de uma Trail e também falta de hábito, claro. Aproveitávamos para o cigarrito, com um telefonema sossegar a irmã que não gosta de riscos maiores que atravessar a rua no semáforo verde para os peões em épocas de racionalização de combustível, e para olhar as serras ao longe.
De novo a acompanhar o rio, senti-a mais relaxada. Aí recordei que ela não é especialmente adepta de alturas ou estradas com ribanceiras dos lados! Na próxima escolho um local mais plano!
O dia estava ideal. Pouco quente e sem vento. Chegados a Peso da Régua não dispensamos uma sande de presunto com um fino a acompanhar, numa boa sombra. Retemperados arrancamos para o Hotel que ficava na outra margem a 10 ou 15 minutos. Foi uma sensação nova para mim. Chegar a um destino de mota com a minha mulher. Mesmo não sendo já crianças, senti-me a viajar com a namorada. E estava.
Check-in no Delfim Douro que recomendo vivamente e passeio a pé pelas vinhas que de moto já lhe chegava nesse dia.
O ambiente no meio das vides não é fácil de descrever. O aroma, o silêncio, o calor, a história do néctar que dali nasce. Meia dúzia de fotos e depois de mudar as vestes para o jantar (sim, na Top-Case até coube uma roupinha para o jantar), um esplêndido repasto ao ar livre, na esplanada do hotel, com deslumbrante paisagem, até se fazer noite cerrada. Duas de conversa, um copo (de Porto, claro) nos cadeirões do bar e por hoje chegava.
O dia nasceu cinzento. Tinha chovido de noite, mas agora não. Ameaçava, no entanto. Incomodava-me viajar à chuva com a Graça, por isso mantive-me atento ao horizonte enquanto desfrutava do pequeno almoço. Felizmente lá começou a melhorar, ou pelo menos quis acreditar que sim, e depois de mais umas horitas de relaxe, voltamos à estrada, desta feita pela margem sul do Douro, seguindo a N222 e algumas municipais que bordejavam o rio. Rapidamente apanhamos o ritmo da curva e contra curva que nos embalava ao atravessarmos pinhais e aldeias escondidas. Por alturas de Cinfães e Castelo de Paiva, o cinzento chumbo do céu fez-me considerar a hipótese de pernoitarmos por lá e umas pingas soltas ajudavam à ideia, mas chegados a Entre os Rios onde atravessamos de novo para a margem norte, a ideia e as nuvens carregadas dissiparam-se enquanto contemplávamos a beleza do local na Marina local. Pormenor curioso, um barco turístico que tinha visto a sair da Régua ao mesmo tempo que nós, cruzava o local onde outrora existira a ponte Hintze Ribeiro, cujo colapso em 2001 ceifou dezenas de vidas. Estávamos já perto de casa e a minha pendura acusava algum cansaço. Deixamo-nos assim de novo embalar no ritmo das curvas e em pouco tempo estávamos a petiscar já perto do Freixo numa ensolarada esplanada, com o mesmo barco a passar diante de nós :)
Acho que protelei tanto escrever este pequeno relato porque isso significa que o passeio acabou, mas também significa que fica aberta a porta para mais Km's destes com o lugar de trás reservado para a Graça. Próximo objectivo lá no horizonte? Conduzir ela uma, claro. Mas antes vou tratar de preparar mais uma ou duas escapadelas destas.
Obrigado Graça.


 



 


 




 


 


 
 



 




6 comentários:

  1. Meu Caro,

    Bem merecida essa escapadela a dois sem o conforto do pópó. Julgo saber avaliar muito bem o quão difícil é ver partilhado o gosto de rolar a dois em duas rodas. Muito bem, Graça !

    Abraços,
    Vasco

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  2. Fico imensamente contente por ti. Bem sei o que isso é e o trabalho que me tem dado inverter uma situação análoga.
    Um abraço
    PedroSL

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  3. Ando a tentar aprender contigo. Tu já estás bem mais à frente. Só espero não ter de comprar uma "ventoinha" :)

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  4. VCS: Aqui a Graça comenta o seguinte:
    Então a Rita não vai com o Vasco passear assim também porquê?

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  5. AInda à bem pouco tempo me lembrei desta tua voltinha, fiz uma coisa parecida, mas não escrevi, ainda... Fiz Lisboa-ALijó, indo apanhar o Douro perto do Porto. No dia seguinte Alijó-Lisboa indo almoçar a Miranda do Douro, e parando em Freixo de Espada à Cinta para cafezar e Abrantes para jantar. As voltinhas por aí valem ouro. Abraço

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  6. Para mim valeram mais que ouro. Ha muito tempo que nao consegui convencer a minha mulher a acompanhar-me. Partilha la o teu passeio.

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