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30 de maio de 2019

365 Dias



Há um ano atras cumpria o meu último dia de trabalho, após uma carreira de mais de três décadas. Recordo a ansiedade e o quase medo dos tempos que se avizinhavam, por totalmente desconhecidos para mim. Fui durante o meu percurso profissional bafejado com a sorte de exercer atividades distintas e gratificantes, que faziam cada dia fluir com alegria e vontade. Agora iria parar. Após a sensação de férias dos primeiros tempos, comecei verdadeiramente a sentir o prazer de ter tempo. De poder escolher tempo, de poder em cada momento decidir. Senti aos poucos o meu ritmo natural abrandar, ficar mais claro. Passei a absorver cada minuto em todos os seus segundos. O mundo que me rodeia mais de perto continuava no ritmo anterior e isso permitia-me vê-lo passar. Apreciá-lo, absorvê-lo. Fiz minha prioridade ajudar a minha filha e tomar em mãos algumas tarefas domésticas dentro e fora de casa. Passei a viver mais intensamente os meus gostos, as minhas preferências. As minhas motas deixaram de ter descanso, a bicicleta até parece mais cansada. Comecei a andar mais de óculos por preguiça e de calções porque sim. Não me recordo de um único dia ter-me deixado dormir. A ânsia de viver acordava-me sempre. Afinal passei décadas a acordar para trabalhar, não faria sentido não o fazer para me divertir, passear. Arranjei uma horta, regressei à natação. Tentei fazer corrida, com sucesso discutível. Fiz recados para amigos e familiares. Organizei os meus hobbies. Tentei reaprender a lidar com a eletrônica, a mecânica, a fabricação. Arrumei as minhas tralhas. Passei mais tempo com a família. Fiz viagens de mota com amigos. Planeei viagens que ainda não fiz. Fiz algumas não planeadas e há algumas que gostava mas não sei se vou fazer. Tentei aliviar a minha mulher de algumas tarefas, por vezes com manifesta falta de jeito. Tive saudades de trabalhar, mas muito mais dos meus colegas. Parei no meio da rua a ver o bulício da cidade e estranhei não fazer parte dele. Houve breves momentos em que me senti deslocado, inútil. Foram segundos. Rapidamente me recordei que agora vivia para mim e para os meus. Agora, um ano depois, posso dizer sem hesitações que sim, foi a opção correta. Houve contrapartidas, claro. Há um preço, pois há. Mas vale toda a pena. Recordava-me o meu pai que na altura dele saia-se com uns trocos extra no bolso. Comprava-se um carro novo e fazia-se um cruzeiro, antes de se voltar para a terra. Mudam-se os tempos... Arranjei o meu carro velho para poder ir onde me apetecer, atestei as motas e enchi os pneus das bicicletas. O cruzeiro será quando a Graça também mudar de vida. Quanto à terra, esta é a minha terra. Sendo tripeiro de gema, nascido em Paranhos e criado no Bonfim, já cá estou. E admirado por perceber que a conheço tão mal. Amiúde descubro novos cantos que me encantam na Invicta. E novas terras que Portugal tem à nossa espera. Quando a minha mulher também tiver mais tempo e a minha filha menos precisar, espero continuar a viver assim. A Viver lugares e momentos, pessoas e sensações. Time is the new luxury. Obrigado a todos os que me rodeiam e que são os responsáveis por este grau de felicidade. Obrigado aos amigos que andam de mota e aos que andam seja como for. Obrigado à minha família por precisar de mim, à minha filha por querer a minha ajuda todos os dias, à minha mulher por se levantar com cuidado para não me acordar, mesmo estando já eu acordado, como acontece quase, quase sempre. Obrigado





2 comentários:

  1. Grande Rui, sem dúvida a opção certa. Os sacrifícios serão com certeza mínimos face aos benefícios que enuncias.

    Abraço,
    Vasco

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    1. São com certeza. Tem sido um ano fantástico. Estranho mas fantástico

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